Artigos

Artigo Publicado na revista Geografia em Questão

VIOLÊNCIA CONTRA MOVIMENTOS POPULARES E  RESISTÊNCIAS [i]
Arlete Moysés Rodrigues*

Apresentação

Determinada pelo poder da classe dominante predomina, nos discursos, formas simbólicas de violência. Os discursos estão enraizados no sistema de valores ocidentais capitalistas e são referenciados por matrizes discursivas que reafirmam a ideologia dominante.

As formas simbólicas de violência ocultam as contradições, os conflitos e a vida cotidiana da maioria. Colocam ênfase no que se considera correto para os valores dominantes e criminalizam todas as formas de organização dos que lutam por melhores condições de vida.

As matrizes discursivas[ii] dominantes não consideram violência: escravizar trabalhadores, não pagar direitos sociais, provocar doenças por inanição, por contaminação do ar, da água e do solo e atribuem a falta de moradia adequada, a precariedade de saneamento, de transportes públicos coletivos, de equipamentos para tratamento de doenças, de escolas à ausência de planejamento.

Considera-se que remover moradores, que ocuparam áreas para moradia ocupadas, para periferias sem infra-estrutura fará avançar o progresso com desenvolvimento econômico. O argumento é que ocupam indevidamente propriedades privadas. Procede-se à reintegração de posse, com forte aparato policial, e as manifestações de trabalhadores são punidas violentamente, com poder de polícia

Por outro lado são tidas como manifestações violentas: greves, ocupações de terras para plantar, para morar, passeatas ou demonstrações públicas. Afirma-se que este tipo de manifestação, são violações cometidas pelos inimigos da sociedade, como se os ocupantes, grevistas e outras manifestantes não integrassem a sociedade. Na realidade, com estes discursos, impede-se que estas manifestações sejam entendidas com as que mostram os problemas reais e cotidianos da maioria sociedade.

Com as matrizes discursivas que referendam a ideologia dominante, as classes e camadas de classes, a exploração e a espoliação do trabalhador, os conflitos e as contradições do modo de produção ficam ausentes, transformando a Política em gestão administrativa.
O desaparecimento da Política é considerado por AGAMBEM (2004) como pós-política que deixa:
“para trás os velhos combates ideológicos para se centrar em alternativas, na gestão da administração e da administração especializada. A biopolítica designa como seu objetivo principal a regulação da segurança e do bem estar das vítimas. A vida que, com as declarações dos direitos humanos tinha-se tornado o fundamento da soberania (dos homens), torna-se o sujeito-objeto da política estatalque se apresenta sempre mais como polícia-“ (p. 155).

Com a passagem da Política para a gestão administrativa desloca-se, como diz Carlos a compreensão da cidade para a gestão da cidade (...) com uma explicação política presa ao universo do planejamento (CARLOS 2010:180).

Com o deslocamento da Política para a gestão os “problemas” seriam corrigidos por meio do planejamento setorial, territorial, ambiental, regional, urbano. Desaparecem, assim: as classes sociais, os movimentos populares, os trabalhadores e as formas de atuação do Estado capitalista. Tudo se transforma em gestão.

O filme (ZIZEK: 2009) A Vila (The Village de M. Shylamalan) mostra uma das formas pelas quais os valores dominantes impõem a linguagem do poder. A trama se passa num povoado do qual as pessoas não podem sair para não encontrar “os monstros, aqueles de quem não se fala”. Os monstros existem apenas no discurso dos que dominam o povoado. Não falar deles implica em torná-los abstratos e incutir o medo do outro, do que não existe.

Na cidade real, “não se fala” da classe trabalhadora, que deveria evaporar após a jornada de trabalho, mas como não evaporam, como diz Ermínia Maricato (palestra proferida na FAU-USP em setembro 2007) demonstram os problemas oriundos do processo de acumulação ampliada do capital, de como a riqueza produzida por todos, é apropriada privadamente por alguns, enquanto a maioria sobrevive na pobreza provocando desigualdades e segregação socioespacial.

O discurso dominante ao ocultar as contradições, classes e camadas de classes sociais, impedem, dificultam a compreensão do porque o desenvolvimento capitalista produz simultaneamente a riqueza e a miséria. Impede também que se entendam os motivos pelos quais as lutas contra a opressão são consideradas como “violência”.

A distorção da realidade faz com que saibamos cada vez menos sobre o que é importante e, cada vez mais, sobre o que é supérfluo (SANTOS: 1987 p.23). Esta distorção impede que se compreenda porque aumenta a falta de tempo quando o avanço tecnológico difunde a ideia de que os novos produtos “simplificam” o trabalho e aumentam o tempo livre; não permite verificar porque se passa mais tempo em transportes, ao mesmo tempo em que aumentam os números de automóveis e a velocidade dos mesmos (RODRIGUES: 1988). Ocultando a realidade impede-se que se entenda porque aumentam as doenças quando há mais profissionais e mais técnicas para tratamento de doenças.

Desse modo impõe-se a tarefa de desvendar o processo de criação da riqueza e simultaneamente da pobreza e mostrar que os conflitos e contradições da produção capitalista estão ocultos pelo ideário do desenvolvimento. Com a hegemonia do neoliberalismo as contradições foram escamoteadas pela idéia de gestão e planejamento e pelo ideário do desenvolvimento sustentável.

Para dominar o imaginário social a sociedade é dividida entre os do lado de cá (que defendem o capital) e os do lado de lá (os trabalhadores, os pobres). Criam-se linhas abissais no entender de Boaventura de Souza Santos (2009).

As linhas abissais são traçadas tanto no sentido real como no metafórico” (p.36). No sentido literal definem-se fronteiras como vedações. Nas cidades a zona civilizada está delimitada, cada vez mais, por “gated communities”, cidades privadas, condomínios e loteamentos murados.

No sentido metafórico criam-se as linhas abissais que atravessam todas as relações sociais, econômicas e culturais, exercida pelo setor Estatal e não Estatal e formalizado nas normas que definem o legal e ilegal.

Concordamos com o autor quando afirma que a separação por linhas abissais é uma forma de fascismo social que representa o regime extremamente desigual e com concessão de poder de veto sobre a vida e o modo de vida da parte mais fraca.

No sentido literal, diz o mesmo autor, a defesa da segurança aparece, por exemplo, nos discursos para a criação de loteamentos murados denominados de condomínios ou loteamentos fechados. Cabe ressaltar que os condomínios são regidos, no Brasil, pela Lei Federal 4.591/64 que em seu artigo 3º, define que as áreas de uso comum correspondem a frações ideais do condomínio e que a responsabilidade de manutenção é dos condôminos. condomínio tem que aprovar sua Convenção que deverá ser registrada no Registro de Imóveis.

O que se chama de condomínio, em geral, não cumpre a legislação condominial, são loteamentos que após a aprovação são murados para impedir o acesso dos do lado de lá Os loteamentos murados também não cumprem a legislação (Lei 6766/1979) mesmo quanto atendem as normas urbanísticas para aprovação, o fechamento dos mesmos é inconstitucional considerando que espaços de uso comum, vias e praças são entregues ao poder público municipal e não podem ser fechados, murados, etc. O fechamento de loteamentos impede o acesso do público em geral e o poder público fica responsável pelos serviços de manutenção das vias públicas e dos espaços de uso comum.[1].

Os loteamentos e/ou condomínios murados representam as vedações que implicam na separação tanto literal como metafórica das linhas abissais, em especial porque o argumento utilizado é que se garante a segurança para os moradores intramuros e implica, a nosso ver, no aumento da insegurança fora dos muros.

Mas se as ocupações de terra para morar são tidas como violência à propriedade, os loteamentos, condôminos murados que se apropriam indevidamente dos espaços públicos são considerados como um avanço na forma de morar. Os empreendedores imobiliários capitalistas procuram legalizar este tipo de ilegalidade com projetos de lei que alterem o dispositivo de ilegal para legal apoiando o Projeto de Lei 3057/2000, em tramitação na Câmara Federal.

Fica evidente que no capitalismo a vida é menos importante que propriedade, e que a violência cotidiana se expressa na mercantilização da vida com domínio o poder.

Caracterização de Movimentos Sociais

Caracterizo movimentos sociais como manifestações de conflitos de classes ou de camadas de classes. Não conceituo porque considero que conceituar não dá conta de toda a realidade das formas de organização. Há movimentos que reafirmam o “status quo” e os que contestam a ordem estabelecida.

Os que reafirmam o modo dominante atuam, em geral, sob a forma de lobbies. Ex. os incorporadores imobiliários divulgam a idéia de segurança intramuros, ocultam seus interesses na manutenção de renda, lucros e juros e defendem a aprovação do Projeto de Lei 3057/2000, em especial, em relação aos loteamentos com acesso restrito, ou controlado[iii]. Site do setor (www.sinduscon.com.br) mostra que estes loteamentos são mais lucrativos do que as demais formas de parcelamento do solo e defendem.

Os movimentos que contestam a ordem estabelecida politizam o espaço na cidade e no campo, tentam provocar modificações na concentração de poder e de riqueza, de terras, etc.. Contestam desse modo, a pós-política e as idéias de gestão. Realizam um processo de dessacralização do espaço político (parlamentos, partidos), enfraquecem o papel da “intelligentsia” (conjunto de pessoas instruídas que são mediadoras entre as categorias excluídas do sistema político e o sistema político).

Os movimentos populares explicitam-se não ao nível de uma comunidade política (partidos, parlamento), mas pelos próprios problemas sociais da vida cotidiana. Agrupam-se construindo identidades coletivas, como já foi analisado por vários autores (RODRIGUES: 1993).

Com relação aos loteamentos murados os movimentos populares urbanos opõem-se aos incorporadores imobiliários mostrando que o fechamento dos espaços públicos: onera o poder público; aumenta a violência para os do lado de fora dos muros; cria cidades “fragmentadas”; dificultam a circulação e mobilidade urbana. Colocam-se, ainda que não explicitamente, contra a privatização de espaços públicos e o aumento do preço da cidade. Mostram que esta forma de parcelamento do solo empurra-os para periferias ainda mais pobres e distantes.

Os movimentos sociais, tanto os que defendem como os que criticam o status quo, dirigem-se ao Estado, pois é ele quem define as normas capitalistas, apesar de que na aparência, a “natureza” do Estado capitalista desapareça com a gestão administrativa. Embora possa haver diferenças no atendimento de reivindicações e necessidades, trata-se de um Estado capitalista. Penso que precisamos analisar o Estado capitalista para compreender a desigualdade socioespacial procurando construir uma Geografia crítica e comprometida com transformações sociais.

Ainda que de forma sucinta, apresentamos algumas diferenças de sentido e de significado em especial em relação a terra.

A luta pela terra para plantar tem sido criminalizada tendo em vista que a terra rural é meio de produção. O discurso dominante difunde a defesa da propriedade da terra e dos meios de produção afirmando que são estas condições que promovem o desenvolvimento. Ressaltamos que o Estado media estes conflitos tendo como base normas de “propriedade improdutiva”, que não esclarece o poder da propriedade, mas sim a função que a terra deveria exercer. O agronegócio, porém, não se enquadra nesta perspectiva, pois tem uma dinâmica relacionada na super exploração da terra, na mecanização e no comércio externo.

No urbano a luta pela terra para moradia caracteriza a luta pela terra como suporte para moradia, equipamentos coletivos, etc. A terra urbana é uma mercadoria assemelhada ao capital, que propicia lucro e renda e a defesa da propriedade da terra é alicerçada na propriedade privada e no saber competente. No urbano a mediação dos conflitos esta baseada na premissa de que imóveis vazios e/ou subutilizados não cumprem a função social, sendo passíveis de penalidade.

A função social da propriedade, no marcos do capitalismo, não fere as normas de apropriação e propriedade. Em que pese que os movimentos sociais não questionem diretamente a propriedade em si, quando lutam pela moradia, pelos equipamentos e meios de consumo coletivo, suas ações nas terras e imóveis vazios e/ou subutilizados colocam em pauta, ainda que indiretamente, as formas de propriedade e de apropriação privada.
Assinalamos em relação aos movimentos populares urbanos que as reivindicações pontuais (água, luz, transporte coletivo, asfalto) desaguaram na junção de vários movimentos que lutam pelo direito a moradia digna, ao saneamento básico, à mobilidade urbana, a participação e ao Direito a Cidade.

O reconhecimento do direito a moradia como um direito humano consta da Agenda Habitat II- 1996 e no Brasil passou a integrar os direitos humanos no artigo 6º da Constituição brasileira. O direito a água e ao saneamento básico como direito humano foi aprovado na Assembléia Geral das Nações Unidas de 28 de agosto de 2010. Continuam também a ocorrer lutas pontuais para obter a concretização do que é reconhecimento como direito universal. Destacamos que a função social da cidade não representa o direito à Cidade que tem como meta o direito coletivo sobre a produção da cidade com o pressuposto de predomínio do valor de uso.

Matriz discursiva do neoliberalismo

Os discursos enraizados no sistema de valores capitalistas são referenciados em matrizes discursivas que reafirmam a ideologia dominante, modificam-se ao longo do tempo-espaço, como pode ser visualizado na comparação entre as Agendas Habitat I (1976) e Habitat II (1996).

A agenda Habitat I elaborada na Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos 
Humanos, realizada em 1976 em Vancouver Canadá, num mundo bipolar afirma que:
A terra, por sua natureza única e pelo papel crucial que desempenha nos assentamentos humanos, não pode ser tratada como um patrimônio qualquer, controlado pelos indivíduos e sujeito às ineficiências e pressões do mercadoA propriedade privada da terra é também um dos principais instrumentos de acumulação e concentração de riqueza, contribuindo, portanto para a injustiça social; sem controle, ela pode tornar-se um obstáculo sério ao planejamento e a implementação de programas de urbanização. A justiça social, a renovação e o desenvolvimento urbanos, a habitação decente e boas condições de saúde para o povo só podem ser conseguidos se a terra for usada segundo os interesses da sociedade como um todo. (Seção II, capítulo 10 p.84- grifos nossos)

Não propõe o fim da propriedade privada da terra, deixa explícito, porém, que a propriedade da terra e as imposições do mercado são elementos de injustiça social. Propõe que a terra urbana seja utilizada no interesse da sociedade.

A Agenda Habitat I foi referência para que o Movimento pela Reforma Urbana considera-se o princípio da função social como aquele que atende aos interesses da maioria e apresentasse Emenda Popular ao Congresso Constituinte em 1988. O princípio deveria ser auto-aplicável nas áreas urbanas de todos os municípios. Porém os deputados constituintes consideraram que a função social seria obrigatória apenas para municípios com população acima de 20 mil habitantes por meio de Plano Diretor. Excluiu, desse modo, a maior parte do território brasileiro cujos municípios tem menos de 20 habitantes e remeteu ao “saber competente” a atribuição de delimitar as áreas, terrenos, glebas, imóveis que não atendem a função social da propriedade.

A Regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição brasileira que trata da função social da propriedade da terra urbana, promulgada apenas em 2001, Lei 10237/01- Estatuto da Cidade, estabelece que os Planos Diretores, devem ser elaborados com participação social. Porém, é necessário analisar o que significa participação social e como tem ocorrido esta participação.

Em 1996, num mundo unipolar com hegemonia do neoliberalismo, a propriedade da terra e as mazelas decorrentes da apropriação e do mercado foram escamoteadas com o consenso forjado sobre o “meioambiente” e “desenvolvimento sustentável”, da “natureza como bem comum”.

A Agenda Habitat II, assinada em Istambul é réplica da Agenda 21 que define que o “meio ambiente” é bem comum e deve ser um legado para gerações futuras. Diz o preâmbulo:
O objetivo da Segunda Conferencia das Nações Unidas sobre os Asentamientos Humanos (Hábitat II) é propiciar na escala mundial, “Moradia adequada para todos e todas e promover o Desenvolvimento Sustentável dos assentamentos humanos no mundo em  processo de urbanização". (…) Moradia adequada para todos os assentamentos humanos sustentáveis com direito a ter uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza (Preâmbulo Cap. I- Agenda Habitat II- grifos nossos).

Durante a Conferência Habitat II movimentos sociais urbanos, provenientes de várias partes do mundo, tinham como objetivo primordial a aprovação do direito à moradia digna como um direito humano e de se acabar com os despejos forçados. Direitos obtidos parcialmente. O Direito a Moradia digna foi incluído no artigo 6º da Constituição Federal Brasileira, o que não quer dizer que seja cumprido.

A proposta de limites a propriedade e apropriação da terra urbana fundamental para uma nova ordem desapareceram na Agenda Habitat II, ocultando-se processos sociais, forjando um imaginário social sobre o desenvolvimento sustentável e sustentabilidades. No mundo da gestão e do planejamento os Estados se comprometem a
Conseguir que os assentamentos humanos sejam sustentáveis, que façam uso eficiente dos recursos dentro dos límites da capacidade de carga dos ecosistemas (…) oferecendo as pessoas (…), as mesmas oportunidades de levar vida saudável, segura e produtiva em harmonia com a natureza (…) e garantía de desenvolvimento econômico, social e proteção do meio ambiente, contribuindo assim para os objetivos de atingir o desenvolvimento nacional sustentável. (Agenda Habitat II – Cap. III – item 49- idem -grifos nossos).

Desenvolvimento sustentável, meioambiente, sustentabilidade passam a constar em todos os documentos oficiais e oficiosos. Na agenda Habitat II o conhecimento técnico e a tecnologia assumem papel vital para definir a capacidade de suporte dos ecossistemas visando promover o “desenvolvimento sustentável”.

Desaparecem dos documentos oficiais a propriedade da terra, dos meios de produção, das riquezas “naturais” ou produzidas, a concentração de terras e de riqueza. A pobreza, a necessidade de moradia adequada, de saneamento ambiental, de limpeza e iluminação pública, a ausência e precariedade de empregos são remetidas ao planejamento que, no futuro, resolverá estes problemas, sem conflitos ou contradições. Estado e Mercado são aliados para se atingir um meio ambiente saudável mostrando que o Estado e o mercado podem ocasionalmente lutar entre si, mas a relação normal e comum entre eles é a simbiose (BAUMAN, 2010).

A simbiose entre Estado e mercado é observável também no Estatuto da Cidade que tem como princípio a função social da cidade e da propriedade urbana. O Estatuto torna evidente algumas contradições e conflitos da apropriação e uso do solo urbano e ao mesmo tempo aponta paradoxos do Estado capitalista.

Possibilita a regularização fundiária (urbanística e jurídica) de terras ocupadas para moradia, tenta impor limites à especulação imobiliária e ao mesmo tempo tem instrumentos que reafirmam a propriedade da terra urbana. Atua na defesa da propriedade da terra urbana nas operações urbanas; parcerias público- privada; troca de potencial construtivo, quando uma propriedade precisa ser “preservada”; outorga oneroso do direito de construir, quando há interesse da propriedade privada em construir acima do definido por lei de uso do solo. Aparentemente tenta impor limites à especulação, mas com um tempo longo (5 anos) e um valor ínfimo para aplicação do IPTU progressivo no tempo e desapropriação em títulos de divida pública, que passados 9 anos da promulgação do Estatuto da cidade não foi concretizada em nenhum município.

Para não concluir - Questões para aprofundar

O Estado capitalista é em sua essência classista, seu interesse fundamental é a manutenção das classes (POULANTZ:1974). Torna-se indispensável entender os aparelhos ideológicos do Estado capitalista para compreender os discursos dominantes e a criminalização dos movimentos populares.

Para defender a propriedade os movimentos populares são tidos como portadores do terror contra os civilizados e assim seus atos devem ser combatidos abstraídos de seu contexto político, econômico, histórico e geográfico (ZIZEK 2009).

A violência objetiva como a fome, a miséria aparecem como necessárias para defender a ordem instituída. As manifestações contrárias á violência impetrada contra os trabalhadores são consideradas como violentas e devem ser combatidas. Cotidianamente os meios de comunicação desviam o olhar das violências perpetradas contra a classe trabalhadora para colocar em destaque a violência subjetiva e os eventos trágicos (desmoronamentos, enchentes) e não a tragédia da vida cotidiana que atingi a maioria.

A violência subjetiva não perturba os parâmetros da vida social apesar do ganho de notoriedade na mídia. Ex. a morte da menina da classe média jogada do edifício, a namorada morta pelo jogador de futebol, entre outros.

As matrizes discursivas destacam, na mídia, os problemas como sendo de intolerância desconhecendo, ocultando a desigualdade, a exploração e a injustiça.
por essa razão o remédio prescrito é a tolerânciamais do que a emancipação e a política (...). Um processo de culturalização da política na qual as diferenças, as desigualdades, a exploração econômica, são naturalizadas e neutralizadas em diferenças culturais, (ZIZEK 2009: 125), impondo-se a universalização da cultura como neutra.

As chamadas diferenças culturais repercutem também nas ciências onde se verifica predomínio da micro-narrativa. Muitos estudos descrevem um grupo social sem, em geral, considerar a totalidade e possibilidades emancipatórias que o conjunto do movimento da sociedade pode ocasionar. Emancipação implica em ações políticas e em formas de organização societária que as micro narrativas não evidenciam.

Para falar de resistências de movimentos sociais importa verificar se há apenas soluções certas ou erradas, mas também se há problemas certos e problemas errados. Quando analisamos movimentos sociais enfocamos o problema real? Será os analisamos pelos que eles representam ou manifestam ou pelo que esperamos deles? Muitas vezes os movimentos são idolatrados (como portadores das certezas históricas, como revolucionários). Outras vezes são demonizados porque querem lugar para morar, para plantar, querem acesso aos padrões urbanos. São vistos, também, como massa de manobra de partidos, de governos, sem atentar para o conteúdo do que reivindicam.

No momento atual pede-se aos homens que encontrem soluções privadas para problemas de origem social. (BAUMAM :2010). Os movimentos propõem soluções sociais para os problemas gerados. São problemas aparentemente privados (falta de moradia, de terra para plantar, desemprego, etc.), mas que dizem respeito a maioria.

Ao falar por si e mostrar as agruras da vida cotidiana os movimentos de trabalhadores, movimentos populares passam a ter espaço de interlocução que só pode ser realizado com o Estado capitalista pois é ele que regulamenta e define as normas de uso da terra, da propriedade.

O movimento da sociedade (aqui definidos como movimentos populares) traz a realidade para a academia. São eles que mostram a linha abissal entre o poder dos que tudo definem e os que nada têm. Assim, talvez, mais do que julgar, criticar e/ou idolatrar é fundamental tentar compreender a complexidade do mundo atual.

Cabe indagar quais as possibilidades de mudanças dentro das normas do Estado capitalista. Enfim, é preciso clarificar as contradições e conflitos que produzem ao mesmo tempo a riqueza (para uns) e a pobreza (para a maioria) e apontar que os movimentos populares estão inseridos na dinâmica societária e não fora dela e que possamos ultrapassar as análises pontuais – as micro-narrativas e os julgamentos de valor.

Bibliografia

Agamben, Giorgio – 2004- O poder soberano e a vida nua – Humanitas –MG –BH
AGENDA HABITAT II. Habitat Internacional1996. Disponível em http://www.unhabitat.org Acesso em: março de 2010.
AGENDA HABITA I. Habitat Internacional, 1976. Disponível em http://www.unhabitat.org . Acesso em fevereiro de 2010.
Bauman, Zygmuny – 2010 – Capitalismo Parasitário – Jorge Zahar Editores-RJ.
Carlos, Ana Fani - 2010 – Sobre a Gestão Democrática da Cidade:questões para o debate- In Geotextos vol.6 n. 1 julho de 2010.
Poulantzas, Nico 1974- Poder Político e Classes Sociais – Martins Fontes
Rodrigues, Arlete Moysés – 1993 – Movimentos Sociais – UNICAMP – Textos Didáticos.
1988 – Na procura do Lugar o Encontro da Identidade –Tese de doutorado – USP – Depto.de Geografia – www.dominiopublico.gov.br
Sader, Eder – 1988 – Quando novos Personagens Entraram em Cena- Paz e Terra- RJ
Santos, Boaventura – 2009 - Para Além do Pensamento Abissal – in Epistemologias do Sul – org. Boaventura Sousa Santos e Maria Paula Meneses – CES- Coimbra
1987 – Um discurso sobre as ciências – Afrontamento –Porto
Zizek, Slavoj – 2009 – Violência - Seis notas a margem – Relógio D´Agua –Lisboa
[1] Referimo-nos aqui aos 35% de área livre pública exigida pela Lei 6.766/79 para os usos de ruas, praças e áreas institucionais.
[i] - Texto apresentado no Encontro Nacional de Geógrafos – Porto Alegre –julho de 2010- Utilizamos a forma de apresentação e num um texto final formatado para publicação. Publicado originalmente na Revista Geografia em questão – vol4 n.1-2011 - ISSN 2178-0234 –
[ii] - sobre Matrizes Discursivas ver Sader, Eder 1998
[iii] - Os loteamentos de acesso restrito correspondem ao que se chama atualmente de loteamentos ou condomínios fechados. Fecha-se o loteamento e os moradores definem quem pode entrar e para qual atividade. Se for aprovado permanece a inconstitucionalidade por fechamento de espaços públicos.
*É doutora em Geografia pela Universidade de São Paulo (1998). Atualmente é professora da Universidade Estadual de Campinas. Email amoyses@terra.com.br


____________________________

Desafios no Caminho para o “Rio 2016”

O que nos Dizem as Experiências Anteriores?

Por Erick Omena


RESUMO
Este artigo busca contribuir para uma melhor compreensão dos possíveis problemas e desafios a serem enfrentados pelos habitantes e instituições das cidades-sede de mega-eventos no Brasil, em especial pela população do Rio de Janeiro. Para tanto, realiza-se uma breve retrospectiva dos Jogos Olímpicos de Verão e um balanço dos Jogos Pan-americanos de 2007, de modo a identificar os principais impactos negativos registrados e a distribuição dos benefícios oriundos do processo de preparação das cidades anfitriãs. Constata-se a reincidência de direcionamento dos impactos positivos a pequenos grupos aliada ao desrespeito de diversos direitos pertencentes às parcelas mais vulneráveis das populações residentes. Por último, são indicados possíveis caminhos para que tais problemas sejam futuramente minimizados.
Palavras-chave: Rio 2016, Jogos Olímpicos, mega-eventos, impactos urbanos.

Clique no Link para acessar a versão completa do artigo na Revista Eletrônica de Estudos Urbanos e Regionais - 04 ano 2 - março de 2011






A COPA DE 2014 E O DIREITO À MORADIA EM PORTO ALEGRE


*Jacques távora Alfonsin 

As muitas vantagens que o desenho urbanístico de Porto Alegre pode ganhar com a realização da Copa do Mundo de futebol de 2014, tem sido apregoadas pela mídia como indiscutíveis. É como se o evento tivesse caído do céu e as oportunidades de mudança para melhor não pudessem ser desperdiçadas.

A se acreditar no que tem sido publicado, tudo gira em torno de uma palavra de sentido tão ambíguo na sua formulação quanto ambivalente nos seus efeitos: recuperação. “Recuperação do cais do porto”, “recuperação da orla do Guaíba”, “recuperação do morro Santa Tereza”, para se lembrar apenas os projetos mais salientados que estão querendo sair das pranchetas dos planejadores urbanos.


Essa publicidade extremamente bem preparada e arrazoada, os novos edifícios, as praças, os jardins, as vias públicas, os espaços de lazer, brilham de sedução e conveniência, enchem de esperança qualquer um/a que sonhe substituir o velho pelo novo e o feio pelo bonito. A liberdade de iniciativa econômica - especialmente a que impulsiona as imobiliárias e empresas construtoras - que historicamente não deixa de se impor à liberdade política, está vivendo uma expectativa promissora de muitos negócios e lucro abundante.


Até agora, ao que se saiba, lá onde vivem hoje milhares de famílias de trabalhadoras/es pobres, exercendo o seu direito à moradia, diretamente afetadas por essa poderosa iniciativa de intervenção no solo urbano, não mereceram uma lembrancinha que pudesse abafar esse ruído intenso de hábil aliciamento da opinião alheia.


Entre recuperar um lugar da cidade para enxotar quem lá vive e mora, e recuperá-lo para satisfazer necessidades vitais desse mesmo povo, do tipo casa, luz, água, esgoto, vias de acesso, escola, posto de saúde, entorno urbanístico seguro e limpo, a primeira alternativa nem tomou conhecimento, até agora, da segunda.


A interpretação e a aplicação das leis, em nosso país, sofre desse vício perverso de desconhecer a extensão dos seus efeitos, quando a previsão desses é feita em desfavor do apetite do mercado de terras e em favor dos direitos humanos fundamentais de quem nelas consegue achar um espaço para, mal e mal, sobreviver. As/os sem-teto, as/os sem-terra, as/os doentes pobres, as/os índias/os e as/os desempregadas/os, particularmente, sofrem as conseqüências dessa injustiça social indiferente ou até hostil aos seus direitos.


E não é por falta de previsão legal que essa injustiça acontece. A Constituição Federal, por exemplo, introduziu no art. 6º, pela Emenda 26, o direito à moradia como um direito social e pela Emenda 64, agora de 2010, também o direito à alimentação como um direito social. Desde o regime militar, por incrível que pareça, o Estatuto da Terra (Lei 4504/64) já previa assegurar “a todos o acesso à propriedade da terra” e, em seu art. 12 que o uso desta “é condicionado ao bem estar coletivo”. O Estatuto da Cidade (lei 10257/2001) determina, já no parágrafo único do seu primeiro artigo, que as suas disposições regulam o “uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”; no inciso XIII do seu art. 2º dispõe que deve haver audiência “da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população”.


A Medida Provisória 2220/01, por sua vez, reconhece, em seu primeiro artigo, que quem tenha posse antiga (cinco anos) anteriormente a 30 de junho de 2001, “até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, tem o direito a concessão de uso especial para fins de moradia” .... A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em seu art. 177, parágrafo 5º, determina que os municípios assegurem a “participação das entidades comunitárias” (...) em “planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes.” A Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, da mesma forma, nos vários incisos que detalham a disposição do seu art. 201 (capítulo da política e da reforma urbana) democratiza acentuadamente a atividade administrativa urbanística. No inciso V assegura “a participação popular no processo de planejamento.”


Tentando analisar as razões pelas quais todo esse acervo de leis pouco ou em nada ampara o direito à moradia do povo trabalhador e pobre da nossa cidade, reuniram-se, na quinta-feira passada, dia 11, em dependência da Vila Barracão, várias lideranças de moradoras/es que vivem naqueles bairros mais diretamente ameaçados pelos megaprojetos que estão sendo estudados e decididos para a Copa de 2014, sem a participação de ninguém que represente toda essa gente.


Ali se pôde constatar mais uma iniciativa de mobilização popular que tem tudo para dar certo. Essa multidão de pessoas que, justamente por sua condição econômica, procurou abrigo em Porto Alegre, sem outra alternativa que não a da favela, da subhabitação, da “vila” e da maloca, não vai ceder barato, felizmente, os seus direitos à terra e à moradia, que acima estão sumariados e que nem se esgotam naquela lista.


Antes pelo contrário. Essa é a oportunidade de fazer valer o que a lei, costumeiramente usada, abusada e violada contra a população que vive nesses lugares, prevê em seu favor. “Erradicação da pobreza”, “função social da propriedade”, terra utilizada “em prol do bem coletivo”, por exemplo, são expressões que figuram no nosso ordenamento jurídico, inclusive em Planos Diretores de municípios, como “garantias”, senão da eliminação, pelo menos da diminuição das desigualdades sociais vergonhosas que marcam a nossa realidade.


Agora se pretende retirar tudo isso do papel, empoderando aquela mobilização. A palavra de ordem que mais se ouviu nessa reunião foi a da urgência de se implementar a regularização fundiária das posses de quem vive nesses bairros e a de resistir contra qualquer iniciativa pública ou privada que se oponha a esse direito. Não ficou excluída nem a possibilidade da desobediência civil, sempre que o poder econômico privado sobre as terras do Município ou o Poder Público que a ele se mostre dócil, manipulem essa mesma lei, sob o pretexto sempre hipócrita de respeitá-la.


Em nome da sua dignidade própria e da cidadania, esse povo já mostrou o que pode contra o desconhecimento e o desprezo a que tem sido relegado. Ofereceu uma resposta tão contundente ao governo do Estado quando esse tentou vender ou permutar parte do morro Santa Tereza, a pretexto de descentralizar a Fase, que esse se viu constrangido a desistir do projeto de lei que viabilizaria os efeitos anti-sociais que comportava.


Que os jogos de futebol da Copa do Mundo de 2014, projetados para Porto Alegre, se realizem e que o nosso país cumpra nessa oportunidade o seu papel ninguém é contra. Que isso custe a violação do direito de moradia de milhares de pessoas que aqui vivem, aí já ficou dado o recado. Há muita e boa gente contra.

* Advogado do MST e Procurador aposentado do Estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.


__________________________________________________________

PUBLICADO EM ATTAC MADRI - JUSTICIA ECONOMICA GLOBAL


DAVID HARVEY: “EXISTE UNA RELACIÓN ENTRE URBANIZACIÓN Y FORMACIÓN DE LA CRISIS”.



David Harvey
Por Natalia Aruguete, pagina12.com.ar
Mientras algunos expertos se esmeran en alegar que la actual es una crisis de las hipotecas subprime o el estallido de un capitalismo que se ha financiarizado, David Harvey prefiere hablar de “crisis urbanas”, provocadas por una fiebre de la construcción “sin importar qué”. Autor de Breve historia del neoliberalismo, Harvey no sólo acusa a la desregulación del sector financiero como uno de los factores que llevaron al descalabro actual, sino que advierte que la supremacía del capital concentrado sobre las decisiones políticas seguirá siendo un impedimento para salir de la crisis. En su paso por Buenos Aires, invitado por el Cemop, el geógrafo británico dialogó con Cash sobre las transformaciones del mercado inmobiliario en las últimas décadas, la orientación que tuvo la inversión en infraestructura y la consecuente “acumulación por desposesión”. Frente a un modelo que no es sustentable, Harvey propuso pensar “un nuevo tipo de urbanización”.
Desde su perspectiva como geógrafo, ¿qué conexiones encuentra entre urbanización y esta crisis?
–Una de las cosas que me gustaría enfatizar es la relación entre urbanización y formación de la crisis. En las décadas del ‘50 y ‘60, el capitalismo se estabilizó con una forma de masiva suburbanización: caminos, autos, un estilo de vida. Una de las preguntas es si son sostenibles a largo plazo. En el sur de California y Florida, que son epicentros de la crisis, estamos viendo que este modelo de suburbanización no sirve más. Algunos quieren hablar de las crisis subprime, yo quiero hablar de las crisis urbanas.
¿Qué piensa de las crisis urbanas?
–En la década del ‘80 se pensaba que Japón era una potencia y se cayó en los años ‘90 por la crisis de los precios de la tierra. Desde entonces, no se recuperó más. También existe una preocupación en Estados Unidos de que la crisis inmobiliaria impida la recuperación, pese a los intentos que se hacen. Otra cuestión es que la forma de uso intensivo de la energía requería muchas extensiones de terreno y creaba un estilo de vida de lugares dispersos. Esto está planteando, justamente, un nuevo tipo de urbanización. Lo llamativo es que China está copiando a Estados Unidos, lo que es muy tonto. Uno observa que no es sustentable bajo la crisis ambiental. Existe una alta conexión entre desarrollo capitalista, crisis capitalista y urbanización.
¿En qué medida influyó la transformación del mercado inmobiliario en la crisis de la urbanización?
¿Dónde puso la gente rica su dinero en los últimos 30 años? Hasta los ‘80, poner dinero en la producción daba más dinero que ponerlo en el negocio inmobiliario. A partir de allí empezó a pensarse dónde poner el dinero para que dé una tasa de retorno más alta. Los mercados inmobiliarios y de la tierra son muy interesantes: si yo invierto, el precio sube, como el precio sube, más gente invierte, entonces sigue subiendo el precio. A mediados de la década del ‘70, en Manhattan (Nueva York), se podía vender por 200.000 dólares un tipo de edificio que ahora cuesta dos millones de dólares. Desde entonces, hubo burbujas de distintos tipos, que se van reventado una a una. Los mercados bursátiles se volvieron locos en los años ‘90. Si uno observa la participación de los distintos sectores en el producto bruto interno de los Estados Unidos, en 1994, el mercado accionario tenía una participación del 50 por ciento en el PBI. En el 2000 subió a un 120 por ciento y empezó a caer con la “crisis puntocom”. Mientras que la participación del mercado inmobiliario en el PBI empezó a crecer, y pasó del 90 al 130 por ciento en el mismo período.
¿Qué opina sobre la orientación que tuvo la inversión en infraestructura en las últimas décadas?
–El capitalismo no puede funcionar sin su infraestructura típica: carreteras, puertos y vías, edificios y fábricas. La gran pregunta es cómo se construyen estas infraestructuras y en qué medida contribuyen a la productividad en el futuro. En Estados Unidos se habla mucho de puentes que van a ninguna parte. Hay intereses muy grandes de los lobbistas de la construcción que quieren construir sin importar qué. Pueden corromper gobiernos para hacer obras que no van a ser de uso para nada.
Un ejemplo de lo que describe es lo que sucedió en España, con el boom de la construcción.
–Una parte de la explicación de la crisis en Grecia y España puede vincularse con estas malas inversiones en infraestructura. Grecia es también un caso típico con los Juegos Olímpicos, grandes obras de infraestructura que ahora no se usan. En los años ‘50 y ‘60, la red de caminos y autopistas, en Estados Unidos, fue muy importante para el mejoramiento de la productividad. Algo similar se observa actualmente en China, con caminos, ferrocarriles y nuevas ciudades, que en los próximos años van a tener un alto impacto en la productividad.
¿Cree qué China está enfrentando la crisis de manera distinta de Estados Unidos?
–Tiene mejores condiciones que otros países, sobre todo porque cuenta con grandes reservas de divisas. Estados Unidos tiene un gran déficit y China, un gran superávit. El otro problema en Estados Unidos es político.
¿Cuáles son los factores políticos que dificultan salir de la crisis?
–Quien intenta construir obras de infraestructura útiles es acusado inmediatamente de “socialista”, que es lo que está sufriendo Barack Obama. En China eso no importa porque tienen otras condiciones políticas. El gobierno en China es autoritario y puede poner las cosas en su lugar. En el caso del Congreso norteamericano está dominado por grupos republicanos y demócratas que manejan intereses económicos y las condiciones para tomar decisiones son otras.
Se deduce una diferencia en la relación entre el poder político y el poder económico en estos países.
–En China, por efecto de la crisis americana, la respuesta fue hacer grandes proyectos de infraestructura de inmediato. Además, el gobierno centralizado de China tiene enorme poder sobre los bancos. Dio la orden: “Den préstamos para estas obras a gobiernos municipales y a los privados que estaban haciéndolas”. El gobierno central de los Estados Unidos no puede hacer eso. Se mantiene diciéndoles a los bancos: “Presten” y los bancos dicen: “No”. China está creciendo a ritmos del 10 por ciento después de la crisis y Estados Unidos está por el piso.
¿Cuáles son las fallas institucionales que han llevado a esta crisis?
–Desde la década del ‘70 hubo una idea dominante de que la respuesta era privatizar. Hay muchas alternativas para que el sector público provea mejores servicios que el sector privado.
¿Cree que esta concepción también penetró en el sistema financiero?
–En Estados Unidos, en la década del ‘30, los bancos de inversión estaban separados de los bancos comerciales. En los últimos años se permitió que se unieran. Es un caso de cambio regulatorio, donde el Estado se retira del control.
¿Cómo evalúa el tipo de regulaciones que se propusieron implementar a partir de la crisis?
–Hay una teoría llamada “captura regulatoria”. Supone poner a las gallinas a ser controladas por los zorros. Si uno mira las formas regulatorias propuestas hasta ahora, se da cuenta de que los zorros están ganando y eso es porque los zorros controlan también el Congreso de los Estados Unidos.
¿Hay diferencias entre las políticas impulsadas en los Estados Unidos y en Europa?
–Sí, hay diferencias. Uno de los temas que estoy estudiando es justamente las diferencias que hay en distintos lugares. Por ejemplo, en América latina la reacción de los gobiernos fue mucho más sensible a la crisis que lo que se observa en los Estados Unidos y Europa. En Europa hay un gran conflicto entre los países más grandes y los más chicos. Alemania, que por razones históricas tiene una obsesión con el tema de la inflación, impone el tema de la austeridad. El triunfo de un gobierno conservador en Inglaterra también fortalece la idea de austeridad. Por eso, no sorprende que Europa esté estancada, mientras China está creciendo fuerte.
¿Qué impacto tienen las políticas de austeridad?
–La austeridad es algo totalmente erróneo. En primer lugar, por las diferencias de impacto entre clases sociales. En general, las clases más bajas son las más damnificadas. Además, las clases más bajas, cuando tienen dinero, lo gastan, mientras que las clases altas lo usan para generar más dinero y no necesariamente para hacer cosas productivas.
¿Por ejemplo?
–Muchos ricos de los Estados Unidos compraron tierras en América latina. Esto llevó al aumento del precio de la tierra. En el largo plazo, debemos pensar cómo puede vivir el mundo de acuerdo con sus recursos. Eso no significa austeridad, sino una forma más austera de vivir, que no es lo mismo.
¿En qué se diferencian?
–Deberemos pensar qué es lo que realmente necesitamos para tener una buena vida, y muchas de las cosas que pensamos del consumo son una locura; es dilapidar recursos, naturales y humanos. Tenemos que pensar cómo hacemos en el largo plazo para que 6800 millones de personas puedan vivir, tener vivienda, salud, alimento para que tengan una vida razonable y feliz

Um comentário:

Anônimo disse...

gostei do seu artigo devemos fazer de tudo para preservar a natureza como greenpeace e outras ong´s é realmente um absurdo o que estão fazendo em nome do progresso asfaltando a amazônia com mão de obra da agricultura do nordeste brasileiro pagando miseros dinheiros reais um
abraço professor